20 Jul Jogos e apostas online
Jogos e apostas online
Regime jurídico
SSEHF — 18 Julho, 2014
I – Análise prévia
Foi no passado dia 20 de Junho de 2014 que os serviços da Assembleia da República permitiram o conhecimento generalizado da Proposta de Lei 238/XII, elaborada pelo Governo que, entre outras iniciativas, pretende a implementação do há muito esperado Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online (doravante RJO).
Muito se especulou, nos últimos anos, sobre esta augurada regulação, que se esperava liberal quando comparada com o regime em vigência para o jogo de sorte e azar tradicional.
Esta expectativa foi sobretudo firmada na necessidade do Estado Português arrecadar mais verbas provenientes dos impostos, necessidade que terá levado o Governo, numa atitude aparentemente precipitada , a inscrever o jogo online como fonte de receita no orçamento de estado para 2014.
De facto, a via liberal seria aquela que mais sentido faria, se levarmos em linha de conta os seguintes dados:
- Em 2011 as receitas provenientes do mercado do jogo ascenderam, em toda a União Europeia, aos € 84,9 mil milhões;
- O mercado do jogo cresce, anualmente, cerca de 3% em toda a União;
- O mercado do jogo online em específico, cresce a uma taxa anual de quase 15%;
- Na União Europeia esperam-se, para 2015, receitas provenientes do jogo online na casa dos € 13 mil milhões, um acréscimo significativo se comparado aos € 9,3 mil milhões arrecadados em 2011;
- A União Europeia conta actualmente com 6,8 milhões de consumidores de serviços de jogos online, número que, atenta a evolução tecnológica, nomeadamente nos telemóveis de última geração e nas televisões digitais, conhecerá um forte crescimento;
- A natureza online desta actividade faz com que estes serviços não conheçam fronteiras e possam, inclusive, ser prestados a partir de estados terceiros à União Europeia, escapando às diversas autoridades reguladoras;
- Mesmo dentro da União, operadores licenciados num Estado Membro com molduras legais mais liberais, oferecem os seus serviços em outros Estados Membros, sem autorização para o efeito;
- É factualmente conhecido que os consumidores procuram esses serviços provenientes de estados terceiros à União, mesmo correndo determinados riscos, como os de exposição a eventuais práticas fraudulentas;
- Existem suspeitas fundamentadas da utilização destes canais para práticas de lavagem de dinheiro, realidade que a União pretende combater.
É perante o panorama supra que o regime ora proposto é, de algum modo, decepcionante.
Com efeito, uma primeira leitura do diploma em apreço permite concluir que o Governo se prepara para optar pela implementação de um regime monopolista, segundo o qual, a exploração do jogo, continua a ser competência do Estado, sem prejuízo de regimes de concessão.
Na verdade, lê-se no preâmbulo da proposta que o legislador considerou essencial “…combater a prática de jogo ilegal e (…) assegurar uma exploração de jogo equilibrada e transparente…”, assumindo o compromisso de “…estimular a cidadania e o jogo responsável, e reforçar o combate à economia informal…”, motivo pelo qual se propôs a aprovar o RJO e, por essa via, “…delimitar e enquadrar a oferta e o consumo do jogo, e (…) controlar a sua exploração…”.
Uma vez mais, o legislador lançará mão ao cariz aditivo dos jogos de fortuna e azar, que, por si, justifica indiscutivelmente determinados cuidados, para defender interesses e posições que dificilmente se compreendem perante o mercado global em que vivemos.
É que, é o próprio legislador admite que “À semelhança do que tem vindo a suceder na maioria dos países europeus, o direito de exploração de jogos e apostas online não deve constituir um exclusivo de algumas entidades, ainda que estas já se encontrem habilitadas a explorar jogos e apostas em Portugal, devendo antes ser atribuído, mediante licenças, a todas as entidades que, para além daquelas, também preencham estritos requisitos de idoneidade e capacidade financeira e técnica.”.
Pena é, portanto, que alicerçado no seu argumento, ao invés de ir mais além, tenha optado por mitigar a realidade até aqui conhecida.
De facto, embora sejam de aplaudir determinadas medidas aprovadas pelo novo regime, poucos operadores terão a oportunidade de surgir neste mercado, atentos alguns requisitos infra expostos.
II – Do Regime Jurídico dos jogos e apostas online em concreto
Do RJO, que a Assembleia da República se prepara para aprovar, merecem destaque os seguintes pontos:
- A competência para a atribuição de licenças, regulação e fiscalização foi conferida ao Instituto do Turismo de Portugal, através do serviço da Inspecção de Jogos;
- As entidades que actualmente estão autorizadas a explorar a actividade do jogo em Portugal estão automaticamente licenciadas para a exploração do jogo online;
- As novas entidades que pretendam exercer actividade nesta área, podem, no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da Proposta de Lei, requerer a emissão de licença à entidade reguladora;
- A atribuição da referida licença fica dependente de critérios iminentemente objectivos.
É com a sujeição da atribuição de licenças a critérios objectivos ou, pelo menos, com subjectividade balizada, que o legislador mitiga a postura outrora assumida.
A atribuição de licenças adivinha-se agora mais clara, transparente e previsível, o que sempre facilitará a constituição de projectos de negócio aos operadores que pretendam enveredar por esta actividade.
A pessoa colectiva a constituir deve, obviamente, ter por objecto social a organização, comercialização e exploração de jogos e apostas.
As licenças serão válidas por períodos de 3 anos e deverão ser requeridas pelo preenchimento modelo próprio, a aprovar e acompanhado de todos os documentos relevantes e do pagamento de uma taxa para a análise e apreciação do pedido.
Uma vez apreciado, o pedido não pode ser recusado sem ser concedido ao requerente o exercício do seu direito de audição prévia. Na prática, o requerente e a entidade reguladora através de um exercício de auto e de hétero-avaliação, chegarão em conjunto, de forma clara e transparente para todos os intervenientes, à tomada de decisão final.
Na verdade, para que a decisão de emissão de licença seja favorável, é suficiente ter-se por provado o preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 11.º e seguintes da proposta de RJO, nomeadamente:
- Ter a situação contributiva e fiscal regularizada;
- Possuir idoneidade, capacidade técnica e capacidade económico-financeira;
- Prestar as cauções e o pagamento das taxas previstas nos artigos 15.º e 86.º, designadamente:
- Uma caução no valor de € 500.000,00 para garantir o cumprimento de obrigações legais;
- Uma caução no valor de € 100.000,00, para garantir o pagamento do imposto especial de jogo online (IEJO), de montante equivalente aos valores prováveis do IEJO durante o período de dois meses;
- Uma taxa periódica a regulamentar por portaria;
- Apresentar um projecto de sítio na Internet que contenha os seguintes elementos:
- A memória descritiva do suporte do sistema técnico de jogo;
- A indicação do local onde vai ficar alojada a infra-estrutura de entrada e registo;
- As categorias, os tipos de jogos e as apostas online a disponibilizar;
- Meios de auto-exclusão do jogador e de inibição de registo dos jogadores excluídos durante o período de inibição;
- Meios que permitam assegurar a efectivação de proibições de jogar impostas pela entidade reguladora;
- Limites de aposta absolutos e meios que permitam ao jogador impor os seus limites nas apostas efectuadas e nos montantes depositados na respectiva conta de jogador;
- A temporização do jogo ou da aposta, nos casos em que seja aplicável;
- Os meios de pagamento e o modo de distribuição dos prémios;
- O modo como se efectua o registo de todas as transacções que envolvam, nomeadamente, depósitos, transferências de verbas e pagamentos;
- Controlos de segurança da informação que garantam a segurança do sítio na Internet e dos seus dados.
O próprio conceito de idoneidade, utilizado pelo legislador para efeitos do presente diploma, é concretizado, limitando sobremaneira a subjectividade que, de outra forma, estaria associada à atribuição das licenças.
Assim, não serão consideradas idóneos:
- Entidades ou administradores que tenham sido declarados insolventes;
- Entidades ou administradores que tenham sido proibidos do exercício do comércio;
- Entidades ou administradores que, por três vezes ou mais, tenham sido condenados, por decisão definitiva, pela prática dolosa de contra-ordenações muito graves, salvo se decorridos dois anos do cumprimento integral das obrigações decorrentes da aplicação da última sanção;
- 4. Entidades ou administradores que, a título individual ou na qualidade de representante legal, tenham sido condenados por decisão transitada em julgado por promoção, organização ou exploração ilícita de jogos, salvo se decorridos mais de cinco anos desde a decisão;
- Entidades ou representantes legais que, por decisão transitada em julgado há cinco anos ou menos, hajam sido condenados por um dos seguintes crimes:
- Burla, burla informática e nas comunicações ou burla relativa a trabalho ou emprego;
- Insolvência dolosa, insolvência negligente, favorecimento de credores ou perturbação de arrematações;
- Falsificação ou contrafacção de documento, quando praticado no âmbito da actividade de exploração de jogos e apostas;
- Desobediência, quando praticado no âmbito da actividade de exploração de jogos e aposta;
- Exploração ilícita e fraude de jogos e apostas de base territorial e de jogos e apostas online e ainda os crimes previstos no Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro;
- Corrupção;
- Fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, fraude na obtenção de crédito e ofensa à reputação económica;
- Contrafacção ou imitação e uso ilegal de marca, quando praticado no âmbito da actividade de exploração de jogos e apostas;
- Branqueamento de capitais.
Para a apreciação da idoneidade, a entidade reguladora deverá ainda verificar a capacidade dos órgãos de administração e direcção da entidade candidata para assegurar uma gestão sã e prudente, nomeadamente, através do modo como as pessoas que venham a ocupar os referidos cargos gerem habitualmente os seus negócios ou exercem a sua profissão.
É também importante para o legislador ver assegurada a capacidade económica dos intervenientes neste mercado, pelo que, para além de disponibilizar um capital social não inferior a € 250 000,00, as entidades licenciadas devem demonstrar a sua autonomia financeira, através de um rácio do capital próprio sobre o total do activo líquido, superior ao fixado anualmente pela entidade reguladora.
Uma vez atribuídas, as licenças de exploração são pessoais e intransmissíveis e serão revogadas se a entidade licenciada passar por situações de cisão, fusão ou mesmo de alienação de 10 % ou mais do seu capital social.
III Conclusão
Em suma, a actual moldura legal que o legislador pretende aprovar aponta a direcção correta, se comparada com regime jurídico actualmente existente. Mas a caminhada que se inicia parece realizar-se a passo de tartaruga pois que o regime continua rígido e, sobretudo, aquém das expectativas.
Efectivamente, era esperado um modelo mais dinâmico, que, por um lado, permitisse o crescimento de um mercado regulado e da sua competitividade e, por outro, o combate eficaz dos mercados paralelos e o aumento exponencial da receita fiscal.
São por isso difíceis de compreender o prazo a que as requisições de licenças estão sujeitas e a proibição da transmissão destas, mesmo a agentes que cumpram todos os requisitos supra explanados.
(1) Recorde-se que o orçamento de estado para 2014 foi rectificado e a previsão de receitas provenientes com o imposto a arrecadar com o jogo online foi retirada. Uma breve análise de diversas notícias então publicadas, permite especular a existência de uma ligação entre a vontade do executivo em adiar a promulgação do novo pacote legislativo, que agora se anuncia, e os interesses dos atuais agentes económicos que exploram o jogo e que muito poderiam perder com uma liberalização.